SETEMBRO AMARELO: mês da luta contra o suicídio!

A ARTE DE PLANTAR ESPINHOS



Por Prof. Lucas Guimarães

Tornei-me plantador. Antes apenas de sonhos, agora de cactos. Tenho alguns que mantenho sob o meu olhar carinhoso. O carinho mora mais no olhar do que nos gestos! O verdadeiro olhar é a arte de acariciar e de fazer protegido o que amamos. Quisera que meu olhar fosse como disse Fernando Pessoa: “O meu olhar é nítido como um girassol.” Poderia ele dizer que seu olhar é um girassol. E perderia a beleza do girassol e a grandeza do olhar que faz o girassol poético. A comparação serve para que não confundamos as coisas. Desta forma, girassol continuará a seguir o sol e a contemplar sua beleza – do girassol e do sol.

Todo dia olho cada um dos meus cactos. Até parece um ritual. Talvez você esteja pensando como eu me tornei plantador de cactos (acho que não sou plantador, mas protetor – porque não planto, apenas olho – mudamos de profissão com certa facilidade!). Creio que foi por inveja, e não por cobiça. Nós cobiçamos coisas, e invejamos pessoas. Essa é a lógica! Alguém me deu um cacto de presente e disse que tinha uma coleção com algumas dezenas deles. Naquele momento, não cobicei a sua coleção, mas tive inveja da pessoa. Queria ter a capacidade de ver nos cactos o que essa pessoa via. Desse pecado capital já estou perdoado eu sei. E o melhor: não me tornei invejoso!

Antoine de Saint-Exupéry, em seu livro O Pequeno Príncipe, disse que somos responsáveis pelo que cativamos (e com certeza pelo que cultivamos). Creio que somos também responsáveis por aquilo que nos cativa também. Responsabilidade é o nome que damos ao encantamento que sentimos quando o coração se abre para amar. E como cativei alguns cactos, preciso ser responsável por eles!

Falando do Pequeno Príncipe, creio que foi ele quem primeiro parou para refletir sobre os espinhos através de sua pergunta insistente: “Para que servem os espinhos?” Como resposta, o piloto, intentando se ver livre de sua incomodação, responde: “Espinhos não servem para nada. São pura maldade das flores.” Com indignação o Pequeno Príncipe responde: “Não acredito! As flores são fracas. Ingênuas. Defendem-se como podem. Elas se julgam poderosas com os seus espinhos...” E creio que foi ele quem me ensinou que falar de espinhos é falar de coisas sérias. A seriedade de pensar que as coisas não são inúteis leva-me a pensar que a produção de espinhos também não. E nem a produção de um sorriso!

Vamos por parte. Espinhos são defesas. Eles não são a decoração dos cactos. Ao tentar proteger meus cactos, sinto-me na necessidade de me proteger deles. Incrível isto! Os espinhos nos outros são tidos como pura maldade. Mas como pode a maldade imperar quando a sobrevivência (a vida) é buscada como bem maior? Espinhos não são lanças que arremessamos. Eles estão lá. Nós é que nos arremessamos neles. Os espinhos são uma forma de nos sentirmos poderosos. Existe o poder que é sinônimo de tirania, mas o poder dos espinhos é outro. É o jeito do cacto dizer: “Eu preciso também viver!” O perigo de nossos espinhos é quando eles são afiados através do orgulho e se tornam pura maldade de quem os fabrica. Estão ali para ferir e não para proteger a flor que haverá de nascer entre eles!

O que nos cactos é defesa, aos nossos olhos é arte, ornamento. Talvez seja necessário olhar para os espinhos das pessoas como arte e beleza e não como pura maldade. Quem sabe esses espinhos foram forjados na sua luta contra os dores da vida! São espinhos que traz histórias, lágrimas e sofrimento. Não estão ali por pura maldade, mas como prova de que a vida produz também espinhos e não apenas flores.

O apóstolo Paulo trazia um espinho na carne (2Co. 12.7). Ele chegou a pedir a Deus para que fosse tirado dele esse espinho. Deus não atendeu seu pedido como ele desejava. Sua resposta foi: “A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2Co. 12.9). Eis a arte de plantar espinhos! Por detrás dos espinhos encontra-se a fragilidade. E acima de tudo a esperança de que Deus faça nascer uma flor entre os espinhos de nossa vida e dos nossos cactos.

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O prof. Lucas Guimarães é docente na Escola Estadual Margarida Pinho Rodrigues e formado em História e Letras com mestrado em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM/SP).

* O cactos da imagem foi trazido do interior do nordeste. Lá é chamado de Xique-xique.

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