A ARTE DE PLANTAR ESPINHOS
Por Prof. Lucas Guimarães
Tornei-me
plantador. Antes apenas de sonhos, agora de cactos. Tenho alguns que mantenho
sob o meu olhar carinhoso. O carinho mora mais no olhar do que nos gestos! O
verdadeiro olhar é a arte de acariciar e de fazer protegido o que amamos.
Quisera que meu olhar fosse como disse Fernando Pessoa: “O meu olhar é nítido
como um girassol.” Poderia ele dizer que seu olhar é um girassol. E perderia a
beleza do girassol e a grandeza do olhar que faz o girassol poético. A comparação
serve para que não confundamos as coisas. Desta forma, girassol continuará a
seguir o sol e a contemplar sua beleza – do girassol e do sol.
Todo dia
olho cada um dos meus cactos. Até parece um ritual. Talvez você esteja pensando
como eu me tornei plantador de cactos (acho que não sou plantador, mas protetor
– porque não planto, apenas olho – mudamos de profissão com certa facilidade!).
Creio que foi por inveja, e não por cobiça. Nós cobiçamos coisas, e invejamos
pessoas. Essa é a lógica! Alguém me deu um cacto de presente e disse que tinha
uma coleção com algumas dezenas deles. Naquele momento, não cobicei a sua
coleção, mas tive inveja da pessoa. Queria ter a capacidade de ver nos cactos o
que essa pessoa via. Desse pecado capital já estou perdoado eu sei. E o melhor:
não me tornei invejoso!
Antoine de
Saint-Exupéry, em seu livro O Pequeno Príncipe, disse que somos
responsáveis pelo que cativamos (e com certeza pelo que cultivamos). Creio que
somos também responsáveis por aquilo que nos cativa também. Responsabilidade é
o nome que damos ao encantamento que sentimos quando o coração se abre para
amar. E como cativei alguns cactos, preciso ser responsável por eles!
Falando do
Pequeno Príncipe, creio que foi ele quem primeiro parou para refletir sobre os
espinhos através de sua pergunta insistente: “Para que servem os espinhos?”
Como resposta, o piloto, intentando se ver livre de sua incomodação, responde:
“Espinhos não servem para nada. São pura maldade das flores.” Com indignação o
Pequeno Príncipe responde: “Não acredito! As flores são fracas. Ingênuas.
Defendem-se como podem. Elas se julgam poderosas com os seus espinhos...” E
creio que foi ele quem me ensinou que falar de espinhos é falar de coisas
sérias. A seriedade de pensar que as coisas não são inúteis leva-me a pensar
que a produção de espinhos também não. E nem a produção de um sorriso!
Vamos por
parte. Espinhos são defesas. Eles não são a decoração dos cactos. Ao tentar
proteger meus cactos, sinto-me na necessidade de me proteger deles. Incrível
isto! Os espinhos nos outros são tidos como pura maldade. Mas como pode a
maldade imperar quando a sobrevivência (a vida) é buscada como bem maior?
Espinhos não são lanças que arremessamos. Eles estão lá. Nós é que nos
arremessamos neles. Os espinhos são uma forma de nos sentirmos poderosos.
Existe o poder que é sinônimo de tirania, mas o poder dos espinhos é outro. É o
jeito do cacto dizer: “Eu preciso também viver!” O perigo de nossos espinhos é
quando eles são afiados através do orgulho e se tornam pura maldade de quem os
fabrica. Estão ali para ferir e não para proteger a flor que haverá de nascer
entre eles!
O que nos
cactos é defesa, aos nossos olhos é arte, ornamento. Talvez seja necessário
olhar para os espinhos das pessoas como arte e beleza e não como pura maldade.
Quem sabe esses espinhos foram forjados na sua luta contra os dores da vida!
São espinhos que traz histórias, lágrimas e sofrimento. Não estão ali por pura
maldade, mas como prova de que a vida produz também espinhos e não apenas
flores.
O apóstolo
Paulo trazia um espinho na carne (2Co. 12.7). Ele chegou a pedir a Deus para
que fosse tirado dele esse espinho. Deus não atendeu seu pedido como ele
desejava. Sua resposta foi: “A minha graça te basta, porque o poder se
aperfeiçoa na fraqueza” (2Co. 12.9). Eis a arte de plantar espinhos! Por detrás
dos espinhos encontra-se a fragilidade. E acima de tudo a esperança de que Deus
faça nascer uma flor entre os espinhos de nossa vida e dos nossos cactos.
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O prof. Lucas Guimarães é docente na Escola Estadual Margarida Pinho Rodrigues e formado em História e Letras com mestrado em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM/SP).
* O cactos da imagem foi trazido do interior do nordeste. Lá é chamado de Xique-xique.
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