SOLTAR PIPA E A TECNOLOGIA DO CORAÇÃO
Por prof. Lucas Guimarães *
Outro
dia uma criança me perguntou quando eu ia brincar de pipa com ela. Minha
resposta foi um sorriso e o adentramento na recordação.
Nas
últimas férias, quando em visita à minha família, meu sobrinho me fez o mesmo
convite. No momento, lembrei de como gostava de soltar pipa. A criança em mim
pedia para novamente sorrir!
Ao
mesmo tempo parecia banal demais soltar pipa. Esse sentimento que tiraniza
dentro de nós de contabilizar o que seja tempo perdido com coisas que parecem
não produzir nada é a própria infelicidade querendo fincar sua morada em nosso
coração. A felicidade não vive da lógica do tempo é dinheiro (time is money)!
Aceitei,
finalmente, o convite de meu sobrinho. Ali estava eu e meu sobrinho, em busca
do vento. Ele disse para mim: “Chame o vento, tio!”
Antes
eu também convocaria outros para chamar o vento. Mas agora parecia que não
sabia o que significava “chamar o vento”. Parece que desaprendi a arte de
chamar o vento. É... desaprendi muitas coisas! Antigamente, eu assobiava para
chamar o vento. Coisa de criança! Agora nem assobiar eu sei. Coisa de quem se
deixa envelhecer e torna a arte de envelhecer em arte de morrer!
A
pipa sobe. Fica tremulando no ar. O meu sobrinho estava plenamente encantado.
“Tem que soltar mais linha, tio!” – gritou ele. Parecia até que estava numa
pescaria. E quem sabe era. Eu estava pescando os sentimentos perdidos!
Não
gosto de pescar, pois não consigo fica muito tempo parado apenas esperando. Mas
ali com a pipa ao ar, devia ficar parado esperando. Quem sabe na esperança da
magia que uma vez me contagiou, e contagiava agora meu sobrinho, voltar a me
visitar.
O
tempo passa. Meu sobrinho não cansava de contemplar a pipa. Parece contente com
o seu grande feito. Eu, porém, já esqueci essa arte. Apenas fico imaginando o
que estou fazendo ali. Pipa no céu, vendo soprando... Não deveria estar no
computador, na rotina, na busca por não perder tempo?
Mas
estou ali. Sem computador e celular, apenas com a tecnologia dos sentimentos –
a arte de ser feliz ao lado de quem gostamos.
Ali
comecei a lamentar. O meu sobrinho um dia possivelmente perderá a arte de
brincar com o vento como eu perdi. É necessário deixar as coisas de criança e
viver as de adulto! É assim que os pais perdem o jeito de abraçar os filhos e
de se encantar com a tecnologia do coração – a arte de ser feliz ao lado de
quem a gente gosta. É quando o abraço, o carinho e a conversa perdem o sentido
na contabilidade do tempo é dinheiro e já não produz a magia do encanto de amar
e ser amado.
O
sol começa a se pôr. E minha pipa me fez ver a primeira estrela brilhar. Ela me
fez ver muitas outras coisas. Ela me fez ver meu sobrinho, minha vida, minha
família, meu mundo, o entardecer, meus sentimentos...
Agora
era minha vez de falar ao meu sobrinho: “Vamos para casa, pois estar
escurecendo!” É sempre assim. As crianças nos chamam para fora de casa – para
brincar e sonhar. E nós as chamamos para dentro de casa – para parar de brincar
e nos ver assistindo televisão ou fingindo que estamos confortáveis com a vida.
Obrigado, Senhor Deus, pela oportunidade de
estar com o meu sobrinho e aprender a viver a graça de amar e ser amado._________________
* O prof. Lucas Guimarães é professor da disciplina de História na Escola Estadual Margarida Pinho Rodrigues e mestre em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM/SP)
Parabéns , Lucas. Gostei muito de sua crônica. Me fez ter belas recordações de minha adolescência, pois perdi meu pai muito cedo e quem levava meu irmão mais novo a empinar pipas e chamar o vento no campinho perto de casa ou na praia...bons tempos. Precisamos nesse momento em que estamos vivendo...reavivar emoções tão adormecidas pelo tempo.....
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