SETEMBRO AMARELO: mês da luta contra o suicídio!

SOLTAR PIPA E A TECNOLOGIA DO CORAÇÃO


Por prof. Lucas Guimarães *

Outro dia uma criança me perguntou quando eu ia brincar de pipa com ela. Minha resposta foi um sorriso e o adentramento na recordação.
Nas últimas férias, quando em visita à minha família, meu sobrinho me fez o mesmo convite. No momento, lembrei de como gostava de soltar pipa. A criança em mim pedia para novamente sorrir!
Ao mesmo tempo parecia banal demais soltar pipa. Esse sentimento que tiraniza dentro de nós de contabilizar o que seja tempo perdido com coisas que parecem não produzir nada é a própria infelicidade querendo fincar sua morada em nosso coração. A felicidade não vive da lógica do tempo é dinheiro (time is money)!
Aceitei, finalmente, o convite de meu sobrinho. Ali estava eu e meu sobrinho, em busca do vento. Ele disse para mim: “Chame o vento, tio!”
Antes eu também convocaria outros para chamar o vento. Mas agora parecia que não sabia o que significava “chamar o vento”. Parece que desaprendi a arte de chamar o vento. É... desaprendi muitas coisas! Antigamente, eu assobiava para chamar o vento. Coisa de criança! Agora nem assobiar eu sei. Coisa de quem se deixa envelhecer e torna a arte de envelhecer em arte de morrer!
A pipa sobe. Fica tremulando no ar. O meu sobrinho estava plenamente encantado. “Tem que soltar mais linha, tio!” – gritou ele. Parecia até que estava numa pescaria. E quem sabe era. Eu estava pescando os sentimentos perdidos!
Não gosto de pescar, pois não consigo fica muito tempo parado apenas esperando. Mas ali com a pipa ao ar, devia ficar parado esperando. Quem sabe na esperança da magia que uma vez me contagiou, e contagiava agora meu sobrinho, voltar a me visitar.
O tempo passa. Meu sobrinho não cansava de contemplar a pipa. Parece contente com o seu grande feito. Eu, porém, já esqueci essa arte. Apenas fico imaginando o que estou fazendo ali. Pipa no céu, vendo soprando... Não deveria estar no computador, na rotina, na busca por não perder tempo?
Mas estou ali. Sem computador e celular, apenas com a tecnologia dos sentimentos – a arte de ser feliz ao lado de quem gostamos.
Ali comecei a lamentar. O meu sobrinho um dia possivelmente perderá a arte de brincar com o vento como eu perdi. É necessário deixar as coisas de criança e viver as de adulto! É assim que os pais perdem o jeito de abraçar os filhos e de se encantar com a tecnologia do coração – a arte de ser feliz ao lado de quem a gente gosta. É quando o abraço, o carinho e a conversa perdem o sentido na contabilidade do tempo é dinheiro e já não produz a magia do encanto de amar e ser amado.
O sol começa a se pôr. E minha pipa me fez ver a primeira estrela brilhar. Ela me fez ver muitas outras coisas. Ela me fez ver meu sobrinho, minha vida, minha família, meu mundo, o entardecer, meus sentimentos...
Agora era minha vez de falar ao meu sobrinho: “Vamos para casa, pois estar escurecendo!” É sempre assim. As crianças nos chamam para fora de casa – para brincar e sonhar. E nós as chamamos para dentro de casa – para parar de brincar e nos ver assistindo televisão ou fingindo que estamos confortáveis com a vida.
Obrigado, Senhor Deus, pela oportunidade de estar com o meu sobrinho e aprender a viver a graça de amar e ser amado.
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* O prof. Lucas Guimarães é professor da disciplina de História na Escola Estadual Margarida Pinho Rodrigues e mestre em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM/SP)

Comentários

  1. Parabéns , Lucas. Gostei muito de sua crônica. Me fez ter belas recordações de minha adolescência, pois perdi meu pai muito cedo e quem levava meu irmão mais novo a empinar pipas e chamar o vento no campinho perto de casa ou na praia...bons tempos. Precisamos nesse momento em que estamos vivendo...reavivar emoções tão adormecidas pelo tempo.....

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