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GLOBALIZAÇÃO

Kalina e Maciel Silva *

O termo globalização surgiu na década de 1980, nas escolas de administração dos EUA, para designar a expansão transnacional de diversas empresas. O conceito logo se ampliou para definir o que para Manuel Castells é um momento histórico do porte da Revolução Industrial.

A globalização é principalmente um processo de integração global, definindo-se como a expansão, em escala internacional, da informação, das transações econômicas e de determinados valores políticos e morais. Em geral, valores do Ocidente. Herdeira do imperialismo financeiro dos séculos XIX e XX, a globalização ultrapassa as fases anteriores de internacionalização da economia para abranger praticamente todos os países do mundo. É uma nova fase do Capitalismo, surgida com o fim do bloco socialista e a queda do muro de Berlim em 1989; eventos que levaram à grande expansão de mercados, alcançando áreas antes vetadas ao Capitalismo.

Apesar da globalização atingir a cultura e as mentalidades, seu principal fator é a economia, criando mercados e integrando regiões, a partir de uma nova distribuição internacional de trabalho entre os países globalizadores e globalizados. Ou seja, entre aqueles Estados que controlam a dinâmica produtiva e comercial e aqueles que precisam se submeter a essa dinâmica.

Essa nova distribuição internacional de trabalho é mais complexa que a tradicional por duas razões: primeira, um país pode ao mesmo tempo globalizar e ser globalizado, como é o caso da Espanha – globalizada pela Europa e globalizadora da América do Sul. Segunda, os países periféricos passam a produzir peças e componentes de produtos montados nos países centrais do Capitalismo, criando, assim, uma desigualdade de tarefas e lucros em um mesmo sistema de produção.

Cientistas políticos e economistas que defendem a globalização como um processo benéfico para a humanidade, afirmam que ela gera riqueza e desenvolvimento para as Nações envolvidas. No entanto, apesar do crescimento da globalização econômica, por um lado, levar ao enriquecimento de determinados setores capitalistas, como as multinacionais e os investidores nacionais em cada país, por outro, gera camadas cada vez maiores de marginalizados, desempregados e subempregados, estando assim longe de integrar toda a população mundial nas benesses da sociedade de consumo. Apesar de ter surgido como um fenômeno da economia, no início do século XXI a globalização se apresenta também como um processo de transformações sociais e culturais. É a chamada nova ordem mundial, que aparece tanto na globalização econômica e cultural quanto no neoliberalismo político e em certas vertentes da pós-modernidade intelectual.

Existe um conjunto de teorias econômicas, sociais e culturais que visa legitimar a globalização. Do ponto de vista cultural, a hegemonia de setores que dominam as comunicações no mundo globalizado produz um discurso que defende a globalização das informações, mediante, por exemplo, a internet, não apenas democratizando o conhecimento, como aproximando pessoas de diferentes culturas. No entanto, longe de integrar totalmente a humanidade, a globalização da informação – de fato monopolizada por pequenos grupos – deixa de lado amplos setores sociais em todos os países, setores sem educação formal ou acesso aos meios para participar desse intercâmbio. A própria natureza desigual e excludente da globalização não permite, assim, que sua vertente cultural vá muito mais longe. Por outro lado, a indústria cultural funciona como um mecanismo de imposição de valores de determinadas regiões a todo o mundo sob a mesma justificativa da integração total da humanidade. Desse modo, longe de haver um intercâmbio cultural, a globalização em geral promove os valores do Ocidente.

A política neoliberal também se apresenta como um aspecto da nova ordem mundial, caracterizando-se como a própria ideologia da globalização. Nascido na década de 1980 com os governos de Ronald Reagan nos EUA e de Margaret Thatcher na Inglaterra, o neoliberalismo se baseia na abertura de mercados, no fim do incentivo à indústria nacional, na redução do papel do Estado e nas privatizações. Justificando a expansão do mercado globalizado, a política neoliberal tem crescido em todo o mundo, sendo barrada apenas no leste pelos chamados tigres asiáticos, como Cingapura, que não abrem mão de um Estado forte.

O neoliberalismo é a retomada do liberalismo do século XIX, que defende sobretudo a tese do Estado mínimo, ou seja, a menor intromissão do Estado no mercado e na economia. Os neoliberais acreditam na hegemonia do setor privado e na desigualdade social como algo positivo para desenvolver a concorrência, selecionando os competitivamente mais aptos. Dessa forma, o neoliberalismo prega o darwinismo social, ou seja, a lei do mais forte, como na política de governo inspirada na filosofia de Frederick von Hayek, em obra de 1944, The Road to Serfdom, que pregava a exclusão de amplos setores da população das decisões políticas.

Tanto a globalização quanto o neoliberalismo encontraram importante campo de atuação na América Latina. Mas a inserção dessa região na globalização não se dá de forma homogênea e varia desde os países exportadores de produtos tradicionais, como a Bolívia, a Colômbia e a Venezuela, até aqueles com setores industriais importantes, como o Brasil e o México.

Apesar de o neoliberalismo ter sido projetado internacionalmente com os governos de Reagan e Thatcher na década de 1980, na América Latina a reestruturação econômica teve seu início já na década de 1970 com a chegada ao poder dos governos militares. O Chile foi o precursor do neoliberalismo latino-americano com a ditadura de Pinochet, que aliava autoritarismo, repressão e livre mercado. No fim dos anos de 1980, com a redemocratização, o movimento de capital na América Latina cresceu vertiginosamente devido à expansão capitalista com o fim do Socialismo. A transnacionalização da economia e a internacionalização do capital engoliram a América Latina, que passou a ser pressionada para implementar a liberalização do comércio e a redução do Estado, aderindo, assim, ao neoliberalismo. Ao mesmo tempo, a importância dos blocos regionais cresceu no cenário internacional, tornando a regionalização uma tendência da globalização. Também a América Latina aderiu a essa tendência, sendo o Mercosul o mais importante de seus blocos. Tendo como países membros o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, seu objetivo é criar um mercado comum que integre essas Nações. No entanto, a integração regional depara com dois grandes obstáculos, a disparidade econômica entre os associados e a dependência externa. Apesar disso, o Mercosul tem sido bem-sucedido em promover o comércio regional e realizar acordos de livre-comércio com a União Europeia.

No entanto, ainda que a globalização traga sucessos limitados para a América Latina, expressos sobretudo no comércio, suas características intrínsecas promovem a desigualdade social, devido à política neoliberal. Assim, têm aumentado consideravelmente os abismos de pobreza no continente. Uma das razões para isso está no fato de que, ao contrário do neoliberalismo europeu, que mantém as funções sociais do Estado, a América Latina adotou a ideia do Estado mínimo, privatizando setores básicos para o bem-estar social, como a saúde, a educação e a previdência social. Além disso, o livre mercado amplia o número de desempregados, de trabalhadores informais e de subempregados sem garantias sociais. Soma-se a isso o fato de que uma das principais propostas sociais do neoliberalismo é a desregulamentação do trabalho, implantada com modificações na legislação trabalhista de cada país. Se tomarmos o México como exemplo dessa situação, que se generaliza no continente, observaremos que desde a implantação da abertura comercial, da venda de setores estatais e do incentivo ao capital privado, as relações de trabalho passaram a girar em torno de conceitos como produtividade e flexibilidade, criando novas formas de contratação: mão de obra temporária, salário por produção que não cobre as horas de descanso e salário diferenciado para as mesmas funções. Os resultados sociais dessas novas relações de trabalho podem ser vistos tanto no México como em outros países de mesmo direcionamento político, como a Argentina e o Brasil: a anulação de benefícios salariais, a instabilidade salarial, os empregos temporários e a deterioração generalizada da qualidade de vida.

Tal situação leva a uma crescente crítica à globalização e a suas contrapartes, o neoliberalismo e a pós-modernidade, acusada esta última de irracionalista e excessivamente relativista. Seja como for, a sociedade brasileira está intensamente envolvida nesse processo cada vez mais rápido de mundialização. Se, de um lado, cresce a influência política e econômica do Brasil sobre os países da América do Sul e perante toda a América Latina, por outro, a enorme discrepância na distribuição de renda nacional também cresce. O empresariado é beneficiado, enquanto os trabalhadores tornam-se cada vez mais pobres. Mais grave, talvez, é a contínua perda de direitos salariais, como o 13º salário, a licença maternidade, férias, situação cada vez mais visível no mercado de trabalho brasileiro.

Essa é uma realidade vivenciada hoje tanto por estudantes como por professores, e aliada a ela está a convivência cotidiana com o crescimento da marginalização dos jovens de baixa renda, pois, enquanto adolescentes e crianças de classe média alta têm acesso à internet e à cultura globalizada, crianças e adolescentes de baixa renda estão excluídos desse meio. Por outro lado, o acesso cotidiano que os jovens de classe média e alta têm à cultura mundial traz outros problemas, como a generalização da sociedade de consumo. Em ambos os casos, os profissionais em sala de aula precisam se adaptar ao tipo de realidade que encontram e procurar contornar uma exclusão social crescente, tentando evitar o preconceito social que se desenvolve no Brasil e gira em torno da posse ou não do acesso aos bens econômicos e culturais da globalização.

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* Texto extraído de: SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2009. p. 169-173.

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